Planeta Água
Planeta Água

Este trabalho foi elaborado pelo ex-presidente da Associação dos Empregados de Nível Universitário da Cedae - ASEAC, Dr. Dario Mondego, para ser apresentado na conferência O PROBLEMA HÍDRICO NO MUNDO - "O BRASIL E A AMAZÔNIA", proferida primeiramente no Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (Cebres), no dia 15 de julho de 1997, e, posteriormente, na Sociedade de Engenheiros e Arquitetos do Rio de Janeiro (Seaerj). Pela pertinência do tema e pelo conteúdo informativo, reproduzimos o trabalho na íntegra, com os comentários críticos do autor.

 

A Problemática da Escassez Hídrica

O Mundo

O planeta terra é coberto por 70% de água, aproximadamente. São cerca de 1.400 milhões de km3 de água. Olhado à distância, como afirmou Armstrong, ao chegar à lua, ele é azul.

Entretanto, 97,5% de toda a água do Planeta é salgada. São cerca de 1.365 milhões de km3 de água.

Para saciar a necessidade do consumo humano, teríamos, em princípio, 2,5% de água doce, o equivalente a 35 milhões de km3 de água. Mas, nesse pequeníssimo percentual, comparado com o todo, há de se considerar que 80% dele, de água doce, cerca de 28 milhões de km3, está localizado nas calotas polares da Antártida e da Groenlândia. Nos 20% restantes, o equivalente a 7 milhões de km3, temos distribuído: a umidade do solo e da atmosfera (vapor); reservas subterrâneas profundas de difícil acesso para o uso humano; os rios; nascentes e lagos. Por conseguinte, só é acessível para o consumo humano menos de 0,5% de toda a água doce do Planeta. Pior: nesse percentual, ainda concorrem a irrigação com 85%, as indústrias com 10%, ficando o consumo humano restrito a 5%.

O ser humano necessita de ingestão diária de 2 a 3 litros de água. O seu corpo compõe-se de, mais ou menos, 70% de líquido que requer reposição frequente.

A humanidade dispõe de menos de 7 milhões de Km3 de água utilizável para sobrevivência de, aproximadamente, 5 bilhões de pessoas no planeta. Como vimos, o líquido essencial à vida é escasso, com riscos de tornar-se fonte de lucro e poder, já há a hipótese de que, no próximo milênio, a guerra será pelo domínio das águas.

Por ser essencial à vida, é um bem comum, logo, não pode ser propriedade de ninguém. Vem da natureza, não se sabe até quando. Sabe-se, porém, que é um recurso finito e vulnerável, já comprovado pela redução havida nos últimos 50 anos, provavelmente, pela poluição e agressões humanas aos ecossistemas.

Comparados os recursos atuais com os que, lá, existiram nos primórdios da humanidade, nota-se a grande redução assustadora.

 

Comentário

 

A Redução dos Recursos Hídricos

 

Imagina-se como anda o mundo, a partir da constatação que se tem, aqui, no nosso Estado, tendo em vista o abandono dos mananciais dos quais nascem os rios que formam as grandes bacias hidrográficas, em território fluminense.

Há agressões dos ecossistemas, como as queimadas, os desmatamentos, as ocupações com habitações nas áreas aquíferas, poluição dos rios com depósitos de lixo, esgotos, produtos químicos e outros.

Em escala menor, mas que dá para avaliar, muitos pontos nascentes de água na serra Grajaú-Jacarepaguá desapareceram. Outros como a Represa Pau da Fome e de Curicica, em Jacarepaguá, tem uma vazão, hoje, que não dá mais para abastecer, plenamente, como antes, aquele bairro. O Guandu, praticamente, abastece o bairro de Jacarepaguá. Não fosse ele, teríamos, ali, uma situação insustentável.

As represas de Rio D'ouro, Xerém, Tinguá, Mantiquira e São Pedro que formam as adutoras conhecidas como "linhas pretas", também não mais abastecem plenamente o Rio de Janeiro.

Todas as localidades, antes por elas abastecidas, hoje recebem o reforço do Guandu que vai até Campos Eliseos na REDUC.

 


 

O Brasil

Nesse contexto, nós temos uma das maiores reservas de água doce do mundo para o consumo humano, o equivalente a 12%. Mas, 80% dessa reserva está na Amazônia. É nela que se encontra a maior bacia fluvial do mundo. Só o Rio Amazonas representa 16% de todas as águas dos rios mundiais. Sob o Nordeste há um imenso reservatório de águas subterrâneas.

Na Amazônia vivem somente 6 milhões de pessoas. Isso significa que 94% da população brasileira, cerca de 148 milhões de pessoas, dependem dos 20% restantes de toda a água de nossas reservas, no Brasil. Vale lembrar que concorrem nesse consumo, também as irrigações e as indústrias.

A abundância, em relação as outras nações, é uma dádiva natural. Entretanto o governo brasileiro vem, pessimamente, gerindo seus recursos hídricos, diante do desperdício, beirando a taxa de 40%; dos depósitos de lixo implantados em rios, lagos e restingas e a contaminação por agrotóxicos, metais pesados, petróleo e esgotos.


As Metrópoles

 

As maiores concentrações populacionais estão nas Regiões Metropolitanas. Para ilustrar, fiquemos nas duas maiores concentrações no Brasil:

- São Paulo, com 19.877.000 habitantes. No mundo só perde para a cidade do México, com 20.200.000 habitantes;

- Rio de Janeiro, com 11.600.000 habitantes.

Ambas estão ameaçadas com os riscos de agravamento da escassez dos recursos hídricos.

São Paulo, para abastecer a sua Metrópole, depende, basicamente, das bacias do alto Tietê e das represas de Guarapiranga e Billings. Estão poluídas, o que levou as entidades governamentais, instituições ambientalistas, ONG'S e a sociedade civil a se unirem na busca de saídas viáveis para recuperação e proteção dos principais mananciais. Há projetos de despoluição e de preservação, já financiados pelo BID e BIRD. Esses projetos tem sofrido muitas resistências, gerando muitas dificuldades na implementação, principalmente, porque não está conseguindo reprimir a ocupação irregular dessas áreas aqüíferas que já atingem a uma ocupação de cerca de 800.000 pessoas.

Outro fato polêmico, fica por conta da contradição do governo estadual que quer garantir a preservação dos mananciais para concretização da privatização do setor energético, quando, humanamente, deveria estar preocupado em defender, com tais projetos, o abastecimento de água da população.

Lá, as águas pedem socorro. A continuar a poluição, já , já a Metrópole de São Paulo ficará sedenta.

A Metrópole do Rio de Janeiro depende, basicamente, do Rio Paraíba do Sul - um rio a caminho da morte! É nele, que se dá a origem do efluente artificial, rio Guandu, responsável pelo abastecimento de 80% da Metrópole.

São pouco mais de 7 milhões de almas sob o risco da intratabilidade das águas daquela principal fonte primária de água potável do Estado. Aquela bacia hidrográfica, vem se poluindo por esgotos domésticos, resíduos industriais tóxicos, lixo e agrotóxicos, nos trechos paulista e fluminense. Aquela bacia do Paraíba do Sul, fornece 160 mil litros, por segundo, para o Rio Guandu de onde a CEDAE retira 47m3/s para produzir na maior Estação de Tratamento da América Latina - Eta Guandu, 4 bilhões de litros de água, por dia. Curiosamente, é a única que não tem sistema de proteção, como vem sendo desenvolvido em São Paulo, por exemplo, apesar de sua importância estratégica.

Entre as grandes poluídoras, destacam-se a Indústria Química Resende, a C. Dupont do Brasil, Metalúrgica Barbará e a usina da Cia. Siderúrgica Nacional - CSN, em Volta Redonda. Aquele rio, com a sua poluição, continua ao longo do seu curso, mais de 1.100 Km de comprimento, como fonte primária de muitos outros municípios.

Sem esse rio, não há abastecimento para milhões de pessoas na nossa Metrópole. Será uma catástrofe!

As dificuldades e riscos dessas duas grandes Metrópoles não são maiores nem diferentes das demais Metrópoles brasileiras. No Rio Grande do Sul a luta é para salvar a bacia do Rio Guaíba.

É um quadro dantesco, preocupante e temível quanto as consequências futuras. Daí a emergência de mobilização para que os Executivos Federal, Estadual e Municipal, promulguem dispositivos legais que viabilizem mecanismos de defesa dos rios; de proteção dos nossos mananciais, impedindo o desmatamento, as queimadas e a ocupação, com habitação, em áreas aqüíferas, bem como, das bacias hidrográficas, punindo, severamente, os infratores. Eles, irresponsavelmente, quando agridem os recursos hídricos, estão tentando contra as nossas vidas.

Não se descarta a necessidade urgente de se educar. É intolerável que as pessoas continuem disinformadas, desperdiçando a água por uso inadequado, tais como, os mais comuns: gotejamento de torneiras; vazamentos de válvulas sanitárias; banhos prolongados desnecessários; torneira aberta ao barbear-se ou enquanto ensaboa as mãos e varrer calçadas com guinchos d'água.

As pessoas têm que ter consciência da importância da água para a nossa vida e a escassez crescente dos recursos hídricos. Não é gastar porque paga. O consumo por desperdício onera o custo operacional e de tratamento da água.

O abastecimento de água é como um grande condomínio, onde os usuários são os condôminos que, para receber em casa a água, cotizam-se e pagam o rateio do custo total. As empresas estatais ou os serviços de água e esgotos são as administrações condominiais. Os governos estaduais ou municipais são os Síndicos.

Urge essa consciência coletiva, se não, as Leis, Decretos ou Portarias que criam os mecanismos de proteção, terão pouca eficácia. Desde as agressões aos ecossistemas, rios, bacias e outras, até à malha fina de distribuição e no domicílio, não há como fiscalizar plenamente para punir o infrator.

 

Comentário

 

CEDAG/GUANDU

 

Nos idos anos de 1960, vivíamos no Rio de Janeiro o caos do abastecimento de água. O então governador Carlos Lacerda criou a Cedag, Cia. estadual que viria solucionar aquela crise. Hoje, Cedae, depois da fusão e no seu governo foi construída aquela obra maravilhosa da engenharia brasileira - a Estação de Tratamento do Guandu e o túnel Guandu/Santíssimo/Macacos.

A água é captada no Rio Guandu que é formado pela junção das águas dos rios Ribeirão das Lajes, Piraí e Paraíba do Sul. Por túneis e canais e por gravidade, chega às Elevatórias de água bruta. Dalí são bombeadas para a Estação de Tratamento. Após o tratamento, hoje, uma parte é bombeada para o Reservatório do Marapicu que a distribui para a Baixada Fluminense, Zona Oeste e Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, a outra parte de água produzida, como era inicialmente nos idos anos de 1960, é dirigida por um túnel à Elevatória subterrânea do Lameirão que fica localizada no bairro de Santíssimo. Bombeada a água, ela chega ao topo da serra local e por gravidade, através de túnel, chega ao reservatório dos Macacos no Jardim Botânico. Esta parte abastece Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Zona Norte, Centro, Zona Sul, enfim todo o restante da cidade do Rio de Janeiro.

É indescritível. Parece ficção, principalmente o conjunto da elevatória do Lameirão, subterrânea em grande profundidade e o diâmetro do túnel condutor da água até o reservatório dos Macacos.

Essa obra foi financiada com recursos de empréstimo junto ao BID e BIRD. Totalmente pago. O usuário pagou com a tarifa. Eles emprestaram como aplicação financeira e agora querem explorar economicamente o nosso bem através de nosso patrimônio totalmente pago.


Legislação Brasileira

 

- Decreto 24.643 de 10-07-34 - código das águas.

- Decreto-Lei 852 de 11-11-38 - mantém o código das águas (Decreto-Lei 24.643/34)

- Lei 5.318 de 26-09-67 - política nacional de saneamento / cria Conselho Nacional do Saneamento - previu o Planasa no Artº 5º

- Decreto 76.389 de 3/10/75- medidas de prevenção da Poluição industrial no meio ambiente - Constituição Federal de 1988 Artº 21, inciso XIX

 

O governo brasileiro, afinal, no ano de 1997 sancionou a Lei 9.433/97 - Lei dos Recursos Hídricos. Entretanto, até a presente data não a regulamentou.

Encontra-se em fase de discussão dois Projetos de Lei que o governo deverá encaminhá-los ao Congresso Nacional, no mês de agosto, próximo:

- PL que dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas - ANA, entidade federal incumbida do controle e da gestão do Sistema Nacional de gerenciamento de Recursos Hídricos;

- PL que dispõe sobre a gestão administrativa e a organização institucional do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

 

No Estado do Rio de Janeiro, a ALERJ já aprovou a redação do Projeto de Lei nº 479-A/95 que institui a política estadual de recursos hídricos; cria o sistema de gerenciamento de Recursos hídricos; regulamenta a Constituição Estadual em seu Artº 261, parágrafo 1º, inciso VII.

Aguarda-se, também, ainda, a regulamentação da Lei de crimes ambientais e a Lei de Agência das Águas.

Com esse conjunto de legislações, aplicadas harmonicamente, teremos uma melhoria sensível na proteção e recuperação de nossos recursos hídricos. Por enquanto, continuamos sem os mecanismos indispensáveis. Entretanto, como já alertamos, há de se incluir o comportamento humano para o uso adequado da água. Até a presente data, tínhamos legislações ligadas ao saneamento básico, ao meio ambiente e a prevenção do poluição. Especificamente ligada à água, só o Decreto 24.643/34 - código das águas e o Decreto-Lei que o manteve. Entretanto, ultrapassados no tempo e no espaço, inclusive contrariando a Constituição de 1998 em alguns aspectos.


As Contradições

 

O governo brasileiro tomou a iniciativa de, afinal, recuperar, proteger e gerenciar os recursos hídricos brasileiros, às portas da virada do século e do milênio. Muitos males poder-se-iam ter prevenido. Ainda, até a regulamentação de tal Lei dos Recursos Hídricos, poderemos ter muitos abusos e práticas criminosas.

Não há explicação para tanta demora. Sabe-se que o conjunto de legislação que se encontra aguardando regulamentação ou sanção, tem ligações com os projetos de privatização do setor energético e do saneamento básico. Ambos têm a água como meio de geração de energia elétrica e de abastecimento de água potável.

Já vimos o quanto é estratégica a água, quer pela necessidade humana indispensável, quer pela escassez, quer pelo monopólio que representa.

 

Comentário

 

Segurança Nacional

 

Não se entende porque, hoje, pretendem os governos estaduais, municipais e federal privatizar o abastecimento de água - serviço essencial de natureza pública, sob a alegação de que não dispõe de recursos financeiros.

No passado recente a água era tida como estratégica. Quando em momentos de indícios de subelevação da órdem, as represas e os reservatórios de água eram ocupados pelo exército, para protegê-los de possíveis ações criminosas de vândalos fanáticos ou loucos que pudessem por em risco o abastecimento de água.

O que mudou? Era descabível aquela preocupação? Não vejo, assim, por isso, continuo entendendo como sendo até de segurança nacional. Essa minha visão, corrobora em muito com a minha reação à privatização, independentemente dos outros fatos que, também, defendo como cidadão.

Causa-me um sentimento de insegurança quando imagino a entrega desse serviço público essencial de natureza social à iniciativa privada. Esse monopólio poderá chegar à exploração de consórcios internacionais, franceses, ingleses e outros!

Além disso, não devemos nos esquecer que, ao menos, é uma questão de segurança na preservação de nossos recursos hídricos que são escassos e que não devem ser submetidos à exploração econômica na busca especulativa do lucro. À tais recursos hídricos são dependentes 150 milhões de brasileiros.

 

O governo alega a impossibilidade de gastar 40 bilhões de reais, em saneamento daí querer a privatização.

A necessidade de 40 bilhões de reais alegada, situa-se na realidade não revelada pelo governo, nas regiões interioranas, onde não há saneamento e onde há a maior ocorrência de doenças por falta de saneamento, bem como, na necessidade de investir para proteção e recuperação dos mananciais, dos rios e das bacias hidrográficas.

Entretanto, o projeto do governo federal não os contempla. Ele é para privatizar as Regiões Metropolitanas, onde operam empresas públicas, como a Cedae.

Nessas regiões já há uma capacidade instalada, seja pelos sistemas de produção de água seja pela malha distribuidora de água.

Na Metrópole do Estado do Rio de Janeiro, já quase se está chegando à cobertura no fornecimento de água. Há algumas áreas, ocupadas de forma irregular por falta de infra-estrutura, como as favelas, a baixada fluminense, a zona oeste e Barra/Recreio/Jacarepaguá que já estão com projetos de abastecimento, embora não haja ausência absoluta de abastecimento.

O esgotamento sanitário é que ainda carece de maiores investimentos no Estado.

 

Comentário

 

Privatização em Busca de Recursos Financeiros

 

O governo brasileiro considera nas suas estatísticas os números de desassistências no saneamento básico do interior dos estados, o que eleva, em ordem de grandeza, a suposta cifra de 40 bilhões de reais, estimada como déficit sanitário existente naquelas regiões abandonadas.

Entretanto, o seu projeto de privatização para dispor desse recurso, inclusive comprometido com o FMI, através de memorando de intenções do governo federal, no ítem 25 daquele documento, não contempla os municípios do interior, vez que está voltado para as regiões metropolitanas.

A região nordestina da seca, por exemplo, por esse projeto, continuará seca. Provavelmente, lá não há expectativa de lucro a curto ou médio prazo e a longo prazo pode ser duvidoso, logo ao mundo do negócio privado não interessa. Somente são usados para justificar o projeto.

As metrópoles são mais atraentes em face do poder aquisitivo da sociedade usuária e, também, porque os investimentos necessários são mínimos - já há um sistema integrado instalado, desde a captação da água até a sua distribuição.

Na metrópole a cobertura plena do abastecimento de água ainda não se deu porque há uma velocidade muito grande no aumento populacional, principalmente em áreas sem infra-estrutura. Aliás, por isso, não é só o fornecimento de água que está irregular. Outros serviços essenciais, lá ainda estão chegando. O IBGE, recentemente, divulgou que as favelas no Rio de Janeiro cresceram cinco vezes mais que a área urbana.

Os esgotos têm sido postergados. Não são esses serviços bons meios eleitorais. Hoje, tem mudado um pouco essa mentalidade, porque os acidentes recentes no Emissário submarino de Ipanema trouxe à discussão todos os riscos de contaminação com danos seríssimos à saúde pública. Soma-se, aí, as valas negras, a céu aberto, nos Municípios da baixada, na Zona Oeste e no interior do Estado.

A falta de sensibilidade ou interesses outros aguçados, colocam em risco o saneamento básico no interior do estado, se forem concretizadas as intenções de privatizá-lo, aqui, na metrópole, ainda que de forma fatiada, isto é, por município.

A Cedae pratica o instrumento social do subsídio cruzado. É o estado presente, fazendo valer a natureza do serviço público essencial do abastecimento de água com qualidade.

O que a Cia. arrecada em cada município, junta-se em uma conta global. Há município que o valor arrecadado é inferior ao custo operacional de seu abastecimento.

Da mesma forma ela mantém com a conta global todos os pagamentos das despesas dos municípios conveniados, não discriminando este ou aquele pelo fato de arrecadar menos, ou em face do aspecto econômico dos seus munícipes. Todos são assistidos igualmente com vistas as suas prioridades. O homem é a meta. Todo superávit, se houver, é reaplicado.

Esta prática, tem sido constestada pelos Prefeitos, onde a arrecadação é expressiva. Querem que a arrecadação do município seja aplicada no município. Visão egoísta, imediatista e insensível. Imaginemos se a arrecadação do Rio de Janeiro, responsável por cerca de 50% da arrecadação global da Cedae, que gira em torno de 1.200, bilhão e duzentos milhões anuais, fosse aplicada no Rio. Os municípios vizinhos de menor poder econômico, passariam a ter uma assistência prejudicada, levando-se em conta o risco de surgimento de doenças de veiculação hídrica, em face da queda da qualidade, da eficácia, da eficiência e da cessação da universalização dessa assistência.

Não querem ver que não existe ilha de salubridade. Os doentes infectados por veiculação hídrica, nesses municípios vizinhos, têm o livre trânsito garantido pela Constituição e, certamente, poderiam contaminar os seus irmãos viventes no paraíso vizinho, onde há uma assistência "VIP".

A privatização da Região Metropolitana, como deseja o governo federal, ainda que seja fatiada, determinará a redução ou quase desaparecimento dos recursos do subsídio cruzado. Muitos municípios com situação econômica comprometida não teriam condição de bancar o custo desse serviço essencial. Como ficaria a saúde pública para os seus munícipes?

A Cedae, hoje, tem um faturamento de 1.200 bilhões e duzentos milhões de reais anuais, em todo o Estado, dos quais a Região Metropolitana é responsável por 70%, isto é, 840 milhões de reais anuais. Restariam 360 milhões para subsidiar o interior. Pouco, muito pouco.

O governo federal fechou as torneiras do BNDES e da Caixa Econômica para esses serviços públicos no Brasil. Entretanto, disponibiliza recursos financeiros para os mesmos serviços se forem privatizados. Esse jogo provoca sucateamento das empresas estatais e lhe dá a justificatica para privatizar.

Outro aspecto muito explorado pelo governo federal é o econômico. Só visam os excedentes como se tivessem falando de uma empresa privada que apura lucro e não o superávit. Querem que as estatais tenham o mesmo perfil econômico, só que os fins entre elas são antagônicos. A iniciativa privada usa o social para atingir o econômico, a estatal, ao contrário usa o econômico para atingir o social. Estas tem na sua atividade diária imprevisível. Os seus custos dependem do resultado operacional final. Isso sem se falar nos projetos políticos que geralmente vem revestido de prioridade tendo ou não recursos disponíveis. Como pensar aqui em excendentes financeiros?

 

O governo federal cegou-se quanto ao aspecto humano. O social é colocado a reboque do econômico. A sua avaliação de resultados das estatais visa somente os excendentes econômicos-financeiros.

Na semana passada, ele começou a colocar em prática o seu modelo de privatização do saneamento básico, cumprindo seu compromisso firmado no item 27 da carta de intenções ao FMI.

Em síntese, a união compraria todas as Cias. Estaduais. A privatização seria feita pelo governo federal no nível nacional, depois do repasse do controle de cada uma para a união. Estados e Municípios receberiam uma parte do dinheiro do repasse com a condição de aplicá-lo na solução de seus problemas previdenciários. A outra parte seria para lastrear os fundos de pensão dos Estados e Municípios. O modelo correrá paralelo à discussão da solução legal sobre o poder concedente e prevê acordos prévios entre Estados e Municípios. Vai entregar o monopólio nacional, certamente ao capital estrangeiro, tendo em vista o valor altíssimo para um concorrente brasileiro - não dispõe de 40 bilhões para assistir ao saneamento básico, mas dispõe de quase 40 bilhões para desmontá-lo com danos ao patrimônio público nacional.

 

Comentário

 

O Modelo de Privatização do Governo Federal

 

A constituição do Brasil no seu Artº 26 inciso I, inclui como bens dos Estados, as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito. No Artº 80, inciso V, considera como competência municipal os serviços públicos de interesse local. A distribuição da água e a coleta dos esgotos são, tipicamente, de interesse local. É, assim, que se entende, constitucionalmente, que o poder concedente dos serviços de água e de esgotos são de competência municipal.

Entretanto, nas Regiões Metropolitanas tornou-se controvertida essa questão. Para se entender melhor fiquemos no Estado do Rio de Janeiro: O governo estadual conforme texto constitucional, que tem a água integrada aos bens estaduais, através da Cedae, construiu os sistemas integrados do Guandu e de Imunana-Laranjal. Tais sistemas abastecem os Municípios da Região Metropolitana. Como os recursos são limitados e sujeitos ao aumento da escassez, cabe ao governo estadual balancear a distribuição da água, evitando o tratamento diferenciado entre os Municípios e atendendo, obviamente, com maior volume, àquele que apresenta a densidade populacional crescente de acordo com o IBGE. Baseia-se, no seu Artº 25, parágrafo 3º que define a competência do Estado para, mediante Lei Complementar, instituir Regiões Metropolitanas, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Respeitado o poder concedente municipal, o governo estadual, através da Cedae, tem assinado convênios com muitos municípios, inclusive na Região Metropolitana, onde todos assinaram o citado convênio de concessão, a fim de que a Cedae, também, faça a distribuição da água.

Com o modismo trazido pelo neo-liberalismo, globalizando economias, incluindo a privatização, também, dos serviços essenciais, o governo do Estado, na gestão do Dr. Marcello Alencar, sancionou a Lei do PED- Programa Estadual de Desestatização e nela incluiu a Cedae. Pretendia aquele governo, estimulado pelo governo federal, vender os ativos da Cia., isto é, venderia as ações com direito a voto que totalizava 99,99%, sendo que o restante é de propriedade dos empregados. Forma através da qual tornou-se uma sociedade de economia mista.

Desrespeitava, em tese, o poder constitucional municipal e ignorava o convênio assinado. Geraram-se os litígios. Inconformados alguns municípios foram ao S.T.F que, até hoje, não julgou o Mérito. Paralelamente, o governo federal, através do então Senador José Serra, apresentou o PLS 266 no qual defende o poder concedente do estado nas Regiões Metropolitanas. O relator desse PLS no Senado, o Senador Josaphá Marinho, não reeleito, apresentou um substitutivo que define para as Regiões Metropolitanas o poder compartilhado entre estado e município. Tal PLS foi, por unanimidade, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. Hoje, aguarda leitura no Plenário do Senado, estando ainda fora de pauta.

Terminada a gestão do Dr. Marcello Alencar, ele deixou para traz essa questão ainda não resolvida até hoje.

Insistem alguns municípios em querer se isolarem não para retomarem a gestão municipal de tais serviços de água e de esgotos, mas sim, para privatizarem a concessão, rompendo com a gestão pública, através da Cedae.

Aqui, no Estado do Rio, destacam-se o Rio de Janeiro, Niterói, Nova Iguaçú, São João de Meriti, Nilópolis e Belford Roxo, todos integrantes da Região Metropolitana que é a área de interesse do capital internacional que a quer, integralmente, e não fatiada como tentam os Prefeitos.

O governador, atual, Anthony Garotinho, assumiu o governo com o firme propósito de não privatizar a Cedae, mas, hoje, oscila em face da pressão dos Prefeitos e do governo federal.

O governo federal, como prometera ao FMI, no item 27 da carta de intenções, já começou a colocar em prática o seu modelo. A EMBASA, a similar da Cedae na Bahia, foi a eleita para inaugurá-la.

Em síntese: Quer o governo federal que o poder concedente seja do Estado. Seria mais fácil a privatização da Região Metropolitana que e o "filé mignon" que interessa ao capital especulativo.

A Cedae estava avaliada em 5 bilhões quando o governador Marcello queria vendê-la. A Sabesp em São Paulo, com a sua hoje, performance, está avaliada muito acima desse valor. O somatório do valor das 23 empresas estaduais não chega aos 40 bilhões, que hoje o governo não dispõe para o saneamento básico, com certeza, não ficará muito longe de tal valor, negado pelo governo federal para atender à sociedade, no âmbito do Saneamento Básico. Prefere submetê-la à exploração econômica liderada pelas empresas francesas Lyonaise d'es Aux e Generale e inglesa Times Whater, especulativa do lucro, sem outra alternativa por se tratar de monopólio natural ao qual somos todos cativos.


A Globalização

 

É sabido que a globalização e a progressiva abertura dos mercados, vem ameaçando a gestão pública do abastecimento de água. Hoje, implementam a lógica integradoras privadas. Com fácil acesso a estudos de mercado, sobre o abastecimento global de água, as grandes Cias. internacionais do setor de água têm como característica comum a política de evitar riscos. Hoje, claramente preferem os projetos que envolvam apenas a gestão dos sistemas integrados de água.

As maiores empresas desse ramo de água são as francesas e as inglesas. Elas optam pela operação, em detrimento do financiamento da construção ou da aquisição de posições acionistas.

Para elas, operar é mais seguro do que investir em ativos. Essas empresas praticam, também, a política de verticalização do setor, isto é, recorrem às suas firmas de projeto, consultoria, construção e fornecimento de equipamentos e materiais, com isso, o mercado interno sofre um impacto negativo. Além disso, se houver restrições na fixação no preço de venda da água, elas aumentam a margem de lucro no preço final do produto.

Pergunta-se: onde o governo está vendo os 40 bilhões de reais de que necessita para o saneamento, com esse perfil dos consórcios internacionais?

Aqueles consórcios querem o lucro fácil. É explorar e explorar e, finalmente, sucatear. Após 25 anos de outorga, o Sr. FHC, certamente, não estará vivo para ver a sua obra no final !


Conjecturas

 

Os recursos hídricos são escassos no mundo. Dentro dessa escassez, diferente do Oriente médio e no norte da África, onde há desproporção entre a população e disponibilidade hídrica, no Brasil, temos uma das maiores reservas de água doce do mundo para o consumo humano, o equivalente a 12%.

Provavelmente, aqui, reside a cobiça dos que especulam com a água. Nosso país, dado o seu potencial hídrico, é filão apetitoso para quem deseja drenar lucro explorando o consumo da água.

Sabemos que os consórcios internacionais têm exatamente esse perfil, isto é, só explorar o lucro fácil. Não é difícil de se imaginar que o seu "marketing" será para consumir e consumir. A forma não importa. Pode desperdiçar porque a água será mercadoria, logo comprada. Quem não tiver recursos ou melhor poder aquisitivo não poderá comprar a água e aí ? Com a provável orgia de consumo, praticada para auferir o lucro, como ficam as nossas reservas que tem limites e são fontes esgotáveis?

O próprio governo, no texto de sua legislação, que aguarda regulamentação, dá ênfase ao pagamento do uso e da exploração dos recursos hídricos. Esses custos, somados ao preço da água vão, com certeza, onerar a sociedade. Quais seriam os parâmetros de volume a serem explorados?

Por outro lado, como a privatização será em bloco nacional do saneamento básico, depreende-se que o capital internacional terá o monopólio das águas, na superfície e subterrâneas, do extremo Norte ou extremo Sul. Não é tradição do Brasil a boa fiscalização. Pior, o poder econômico será sufocante, aliado do FMI a quem o Brasil já está submetido até para as simples gestões.

O Brasil e os países da América Latina, são economicamente, pobres. Os consórcios são de países ricos que exploram só a distribuição de água em diversos outros países. São poderosos e serão os senhores das águas. Quando todas as fontes se esgotarem (se esgotarem!), aqueles impérios terão condições para pagar os altos custos das técnicas de tirar o sal da água do mar para torná-la potável ou, então, rebocar "icebergs" das calotas polares para o abastecimento nos países que puderem pagar, à semelhança do petróleo que vem em barris. Será que nesse cenário virtual teríamos como saciar a nossa sede ou morreríamos sedentos na América Latina?

 

Comentário

 

Lucro e Poder

 

A Cedae, hoje, para se avaliar, cobra em torno de R$ 6,00 por 15.000 litros nas comunidades de baixa renda e, mais ou menos, R$ 26,00, pela mesma quantidade, cobra aos usuários com maior poder aquisitivo. Em um ano, aproximadamente, essa diferença de cobrança chega a R$ 200 milhões. Justifica-se, em razão do aspecto social que representa a água e o indispensável consumo humano, independentemente de sua ocupação na extratificação social. Cotizam-se todos para ter esse bem indispensável à vida, respeitada a condição social de cada um. Não há visão mercantilista do lucro.

Fazendo-se um exercício matemático, pode-se mostrar a diferença entre o social e o econômico, quando se compara a água mineral, que é mercantilizada como mercadoria e a água potável produzida e distribuída pelo governo. Vejamos:

 

Governo (Cedae)

15.000 litros = R$ 26,00

1 litro = +/- 4copos

15.000 litros = 60.000 copos

60.000 copos = R$ 26,00

 

Água Mineral

Copo = R$ 0,50

60.000 copos x R$ 0,50= R$ 30.000,00

52 copos = R$ 26,00

 

52 copos de água mineral está para a iniciativa privada, assim como, 60.000 litros de água potável está para o governo. Ambas situações custam R$ 26,00.

Os custos de produção são inigualáveis já que o governo tem que produzir a qualidade da água, aduzi-la e distribuí-la através de um grande sistema integrado.

Fica a indagação: Nós usuários cativos e contibuintes desse grande monopólio condominal (sem fim lucrativo), teríamos na iniciativa privada a preocupação, prioritariamente, com as questões sociais e com a saúde pública, se viesse a explorar o abastecimento de água, por outorga? Claro que não!. As circunstâncias econômicas-financeiras no mundo privado, para garantia de sobrevivência do empreendimento, permanentemente, exigem o cumprimento de metas para atingir o lucro crescente.

No abastecimento de água não há concorrência, por ser um monopólio natural. Nas mãos da inciativa privada, por si, só, já é temerário. Acrescente-se, aí, o consumo certo e indispensável; o estímulo ao aumento do consumo e a submissão a que todos ficariam a um empresário ou a um consórcio. Seria um poder independente dentro do poder público. Falar de Agências Reguladoras, deixa-nos desco2nfiados, tendo em vista o fraco desempenho da ANEL e outras.

 


 

Conclusão

A globalização, que é o escudo desses consórcios internacionais, que vão aos países pobres ou subdesenvolvidos, explorar, economicamente, o bem comum essencial à vida, que é a água, um autêntico monopólio cativo, só ampliou, no mundo, as desigualdades sociais. Segundo o Relatório da ONU: " a primazia dos mercados concentram poder e riqueza em um grupo seleto". O fenômeno, se é que podemos, assim, considerá-lo, deu prioridade a aumento de lucros, mas os avanços não foram igualmente distribuídos entre os povos. É nesse estilo que estaremos, bem breve, sendo explorados, economicamente, para saciarmos a nossa sede e enriquecê-los. Sentiremos saudades, se tal acontecer, do tempo em que, com todas as mazelas com a água, éramos felizes até que um dia um cidadão, nosso patriota, resolveu incluir nas negociações, junto ao FMI, os nossos recursos hídricos que, certamente, logo foram aceitos porque a nossa escassez ocupa uma prateleira de oferta acima da prateleira da escassez deles. Aquele Relatório da ONU de Desenvolvimento Humano de 1999, afirma que "aproximadamente 1,3 bilhão de pessoas no mundo não tem acesso à água potável". Só não ficou claro se por ausência desse recurso hídrico ou se por falta de recursos financeiros para adquiri-la e saciar a sede. Pergunta-se: por quê os poderosos consórcios dos países ricos não vão socorrê-las?

Para as intenções do Sr. FHC, os consórcios viriam, aqui, investir para solucionar as nossas carências de abastecimento!



Dario Mondego

Ex-empregado da CEDAE,admitido em 1953 e aposentado em 1995.

Presidiu a Associação dos Empregados de Nível Universitário da CEDAE - ASEAC, por 3 mandatos consecutivos.

Ao longo desse período, se opôs e vem se opondo à visão distorcida que infringe a essencialidade dos recursos hídricos, a partir do entendimento de que a água é mercadoria e que, portanto, tem que ser mercantilizada para gerar lucro financeiro.

Enquanto presidente da ASEAC, Dario Mondego recorreu ao Judiciário, na tentativa de evitar que fossem também distorcidas interpretações de artigos das Constituições Federal e Estadual. Artigos esses que venham a favorecer os prefeitos da Região Metropolitana ou o governador do Estado do Rio de Janeiro com a definição de Poder Concedente para privatizar os serviços de água e esgotos, do Saneamento Básico, como forma de gerar recursos financeiros nas suas gestões, com graves prejuízos prováveis para a saúde pública e para o social.