Declaração Ecumênica sobre a Água como Direito Humano e Bem Público
Nós, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, da Convenção de Igrejas Evangélicas da Suíça, da Conferência Nacional de Bispos do Brasil e da Conferência dos Bispos da Suíça, reunidos, em Berna, na Suíça, no dia 22 de abril de 2005, em sintonia com a Década Internacional da Água (2005-2015), declarada pela ONU, nos alegramos e nos animamos com as iniciativas de nossas comunidades e assumimos as manifestações das nossas Igrejas no mundo inteiro em favor da água como Direito Humano e Bem Público.
1.
Reconhecemos
·
Que a água é um bem fundamental para a vida. Sem água não
há vida. Ter acesso ou não ter acesso à água, significa decidir sobre a vida e
a morte do povo. A água é um dom de Deus. Ele a coloca à disposição de todos.
Pede o seu uso responsável para que todos tenham vida em abundância. Por causa
da vida, a água é um bem comum, que não pode nem deve ser privatizado.
·
Que o acesso à água é um direito humano. O "direito a
uma alimentação adequada" é definido pela ONU, tanto na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em 1948 (Art. 25), como no "Pacto
Internacional de direitos econômicos, sociais e culturais", em 1966 (Art.
11). À luz desse direito, reconhecemos que as mulheres devem merecer uma
atenção especial frente aos problemas e sacrifícios que enfrentam. Em muitos
países, elas, juntamente coma as crianças e as jovens, são responsáveis pela
provisão e pelo abastecimento da água. Essa tarefa acarreta conseqüências e
danos para a sua saúde. Igualmente, impede que as adolescentes e as crianças
freqüentem a escola.
·
Que a água tem um significado espiritual. A água não é
apenas um bem econômico, mas possui um significado social, cultural, medicinal,
religioso e místico. No relato da criação, lemos que "o Espírito de Deus
pairava sobre as águas" (Gen 1,2). Através de Moisés, Deus providenciou
água para o seu povo peregrino no deserto. Para nós cristãos, a água no batismo
tem uma força simbólica: "Quem crer e for batizado será salvo" (Mc
16,16). Para muitos povos e muitas culturas, a água tem um caráter sagrado,
está ligada às tradições e exerce uma função comunitária e ritual.
·
Que a água tornou-se escassa para muitas pessoas. Escassa
devido ao alto consumo per capita e ao crescimento populacional, bem como
escassa devido ao uso inadequado e ao desperdício da água. Escassa por causa do
desmatamento e da destruição do solo e das reservas hídricas. Essa realidade
demanda um cuidado especial e uma definição urgente para que a água seja uma
prioridade colocada a serviço da vida e do consumo humano.
2.
Exigimos
·
Que a água seja reconhecida como um direito humano como
parte integrante do direito à alimentação adequada. Esse direito deve ser
respeitado pelos setores da sociedade. Cabe ao Estado uma responsabilidade
especial, consignada no "Comentário Geral" n° 15 do Comitê das Nações
Unidas para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e nas "Diretrizes
Voluntárias para o Direito à Alimentação" no contexto da segurança alimentar
nacional, especialmente a Diretriz 8c (Água), da comunidade das nações,
ratificadas pela FAO em novembro de 2004. Essas responsabilidades e direitos
devem prontamente ser postos em prática.
·
Que a água seja considerada e tratada como um bem público.
O Estado deve garantir o acesso à água potável para todos, o que implica em:
o
preço acessível da água para todos;
o
liberação de recursos financeiros;
o
obtenção de meios técnicos;
o
participação das comunidades e entidades locais nas tomadas
de decisão no que diz respeito ao uso dos recursos hídricos existentes.
·
Água como bem público obriga o Estado a regular o uso dos
recursos hídricos através de meios pacíficos, para que o direito à água seja
para todos, inclusive para as populações de países vizinhos.
·
Que sejam definidas prioridades legais para o uso da água.
Em primeiro lugar está a dessedentação de pessoas e animais e o fornecimento de
água para a produção de alimentos. Isso exige uma política ambiental dentro do
espírito de solidariedade entre comunidades, regiões e povos.
·
Que o direito humano à água tenha um marco legal através de
uma Convenção Internacional da Água, a ser definida pelas Nações Unidas.
3.
Comprometemo-nos a
·
Convidar nossas Igrejas, comunidades eclesiais, entidades
ecumênicas e organizações sociais a apoiarem essa declaração e a orarem pela
causa da água em nosso planeta.
·
Motivar, com a ajuda dos movimentos sociais interessados e
as ONGs do Brasil e da Suíça, a opinião pública, os partidos políticos e a
população de nossos países a se engajarem nas causas dessa declaração e a se
oporem às políticas e às manobras para a privatização da água.
·
Exigir que os governos de nossos países se comprometam em
assumir o direito humano à água e a declarar a água como um bem público
mediante uma legislação adequada, bem como a olvidar esforços e a se empenhar
na criação da Convenção Internacional da Água no âmbito da ONU.
Berna, 22
de abril de 2005.
Bispo
Adriel de Souza Maia
Presidente
do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil - CONIC
Dom Odilo
Pedro Scherer
Secretário-Geral
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB
Irène
Reda
Vice-Presidente
da Confederação Suíça de Igrejas Evangélicas - SEK
Dom Peter
Henrici
Presidente
Pela Conferência dos Bispos da Suíça - SBK